
Hoje em dia, quando ouvimos a palavra “mística”, logo pensamos se tratar de alguma forma de esoterismo, principalmente aquelas formas mais vulgarizadas deste, que prometendo soluções mágicas, são vendidos em qualquer esquina como mero adorno da vida. Em geral, associamos a palavra “mística” ao termo pejorativo “misticismo”, o que por seu lado, se relacionaria à superstição entre outros. No entanto, para além deste sentido relacionado ao esoterismo, seja ele o esoterismo mais vulgar ou mesmo as correntes mais elaboradas e dignas de nosso respeito, há um sentido mais profundo do termo “Mística”, e é sobre este que quero aqui tratar.
Em linhas bem gerais, nos podemos dizer que a Mística é um determinado caminho para se encontrar Deus, ou melhor, um caminho para percebê-lo. E a característica principal deste caminho, o qual marcou a experiência da religiosidade oriental, é o fato deste buscar “driblar” a razão (sem negá-la) e estabelecer um contato imediato, direto com Deus, enfim, senti-lo.
O que nós poderíamos chamar, apenas alegoricamente, como o caminho oposto ao da Mística, sem com isso estabelecer qualquer hierarquia sobre qual é o melhor, é o caminho do racionalismo religioso, o qual predominou no ocidente. Nós ocidentais, herdeiros da tradição judaica, sempre buscamos interpretar racionalmente os “atos” de Deus e o próprio Deus. Nesta tendência, criamos teologias e uns tantos outros sistemas de pensamento e normas racionais para a conduta da nossa ação no mundo, as quais pudessem nos aproximar de Deus. Assim, estabelecemos um contato com Ele, não direto e imediato, mas sim, indireto e mediado pela razão.
Vale lembrar também que, para o racionalismo, tudo que não é racional, só pode ser o seu oposto, ou seja, irracional, e na maioria das vezes, esse “irracional” é interpretado como o que provêm do “mundo dos instintos”, do nosso primitivismo. No entanto, há uma “terceira margem do rio”, que, mesmo não sendo racional, não é o seu oposto irracional ligado aos instintos, mas sim é um caminho supra-racional, aquele que como falamos “dribla” a razão sem negá-la, que é o caminho da mística.
Apesar de a tendência racionalista ter predominado no ocidente, e a Mística no oriente, não quer dizer que não tenha havido racionalismo no oriente e nem Mística no ocidente. No ocidente, é conhecido por muitos uma longa tradição da Mística Cristã. Nesta tradição destacam-se nomes como Santa Teresa de Ávila, São João da Cruz, Santa Hidelgarda (Hildegard Von Bingen), Mestre Eckhart, Francisco de Assis entre outros.
O Espiritismo, nascido no ocidente pelas mãos de Kardec (não podemos chamá-lo de criador do espiritismo, mas soa bem chamá-lo de parteiro), surge mergulhado na tradição do racionalismo ocidental e se orientará predominantemente por ele. Para o espiritismo, tal como Kardec nos apresentou, a razão é o faculdade humana mais competente para se alcançar a iluminação espiritual, esta que pode ser entendida como o caminho da evolução, ou o caminho do encontro com Deus. Porém, assim como no racionalismo religioso do ocidente houve brechas nas quais a mística penetrou, acredito que, Chico Xavier represente esta brecha de Mística no espiritismo.
Com isso não quero dizer que Chico seja um homem só da Mística, mas tão somente que havia nele também este vertente bem desenvolvida, e isso aparecia desde em pequenas frases, como também, e principalmente, na sua postura ante ao mundo. Uma frase marcante é resposta que Chico dá quando é perguntado sobre a imagem de “Nossa Senhora” que tinha em sua cabeceira. O que poderia parecer uma “Heresia” na ortodoxia espírita se desmanchou como nuvens ante a simplicidade de Chico. Ele respondeu que aquela era a Fé que ele tinha herdado e aprendido com sua mãe, e que não tinha o menor desejo de perdê-la. Nisto, ele apresenta a Fé como um meio poderoso que nos leva a Deus, e que deve ser preservado e cultivado, sem que com isso se pergunte por sua “razão”. Nesta frase de Chico não há nenhuma justificativa racional para esta sua Fé, ela é apresentada como tendo valor em si mesma.
Por outro lado, a maneira como creio que o Chico interpretava o papel da “Caridade”, muito tem a ver com o caminho da mística franciscana. Aos olhos apenas do racionalismo, a “Caridade” só pode ter dois significados: (1) quando é praticada, visa acabar com a pobreza, e o sofrimento em geral, como isso é impossível para um indivíduo ou pequeno grupo, gera ansiedade e conseguintemente sofrimento; (2) quando é ela criticada, o racionalista só enxerga na “caridade” assistencialismo barato, e ou exploração religiosa dos pobres, estes últimos que seriam apenas um meio para outros chegaram à salvação. No entanto, aos olhos da mística da pobreza, a “caridade” é um meio de se aproximar dos pobres, de sua simplicidade, e através dela se aproximar do Cristo. Neste sentido, a caridade passa a ter valor nela mesma, sem se preocupar arrogantemente com seus resultados para os outros, mas se torna tão somente um exercício místico do amor. Quando multidões buscavam um pão ou uma nota de cruzeiro dada por Chico Xavier, não estava ali uma forma de acabar com o sofrimento dos pobres, mas tão somente, uma forma de se aproximar do Cristo misticamente, através da simplicidade da pobreza. Por isso, vejo Chico Xavier como um continuador da mística da pobreza franciscana.
Imagino, que cada espírita ou qualquer outro cristão, que alguma vez participou de alguma atividade beneficente, entenda perfeitamente estas minhas palavras. Todos tinham a ciência que aquela sopa, aquele pão ou aquela atividade feita, era um alívio deveras diminuto para a necessidade daqueles que recebiam, mas faziam com que todos sentissem o Cristo mais perto de si.
Brand Arenari