segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Envelhecimento


Diante de meus olhos atônitos, uma nova realidade se desenha. Menos colorida, com os contornos menos delineados, talvez resultantes da minha visão, hoje com menos acuidade. Pernas teimosas, que dobram quando precisam se manter esticadas. Coluna, que já não quer ficar de pé o tempo que julgo necessário. Cabelos, esses que desertam da minha cabeça, independente das minhas solicitações para que permaneçam emoldurando o rosto, que hoje traz os sulcos e as manchas das dores e dos verões já vividos. Ficaram apenas os fios brancos, que vão aos poucos cobrindo de neve o cume da montanha daquilo que supus, por muito tempo, ser eu própria.

Mas o que é isso, senão um monte de ossos e músculos que agora se rebelam, deflagrando uma greve quase geral me fazendo conhecer articulações que eu nem sabia que tinha? E a cabeça, essa quando não está doendo, se mostra ressaqueada, lenta, me convocando a inventar uma maneira diferente de contabilizar o tempo, pois não consigo, com a mesma eficácia, acompanhar o do relógio.

O que é isso, Senhor? O que acontece? Quem é esse eu que não reconheço? Que instrumento é esse que já não atende aos meus comandos? Que tristeza é essa que tenta me invadir e me envolver?

A falência do mundo exterior não é senão a convocação a um mergulho mais profundo na nossa própria intimidade. Um amoroso convite a uma nova etapa, onde nos defrontamos, com mais clareza, com nossa verdadeira identidade, aquela que temos de fato construído.

Crescer implica sempre, simultaneamente num ganho e numa perda. Devido à nossa imaturidade egóica, percebemos primeiro e com mais nitidez, a perda. É necessário então que façamos o luto, que nos libertemos do que passou, por melhor que nos pareça ser, para abrirmos espaço para o novo.

O novo porém é um ilustre desconhecido, que nos amedronta e, por vezes, paralisa. Sair da paralisia é pois nos desidentificarmos com o corpo de matéria, que vai finalizando a sua participação na nossa peça teatral. Peça tal, que conta uma história que começou bem antes e que continuará para além dessa vestimenta, que foi útil, mas hoje, se mostra rota.

É preciso fortificar no coração a certeza de que essa é uma história de amor... que todas são histórias de amor... e que, como todas as histórias de amor, essa também tem um final feliz... e que, se a felicidade ainda não chegou, é porque ainda não é o fim.

Claudete Saraiva


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